Toda vez que alguém me pergunta se pratico regularmente algum esporte, reluto em dizer que sou escalador… Posso até dizer que nado, corro e ando de bike, o que faço até que com bastante frequência, e já me caracterizaria como esportista.
Mas com a escalada é diferente. Não sei explicar bem o porquê, mas nestes quase 20 anos subindo montanhas pelo mundo afora ainda não achei a forma de encaixar o montanhismo como prática esportiva, e vou explicar…
Geralmente amigos (não escaladores) ou simplesmente pessoas que encontro em palestras ou eventos tendem a confundir o montanhismo de forma geral. Uns o chamam de Alpinismo, outros de Escalada, outros simplesmente acham que subimos com picaretas e sapatos de prego em qualquer morro por aí.
A imagem é até compreensível, uma vez que o montanhismo aparece em desenhos animados ou filmes de Hollywood de forma sempre bem caricata, sem qualquer representação da verdade pela qual nós montanhistas passamos.
Entenda o montanhismo como CICLISMO. É o nome genérico que abrange todas as “subcategorias” ou “modalidades”. No caso do ciclismo: o Mountain Bike, Speed, Free Style, Contra-relógio, bici-cross, etc. No montanhismo: escalada esportiva, clássica, boulder, artificial, indoor, gelo, mista, alpina, solo, ou alta montanha. Cada uma desta subdivisões do Montanhismo possui praticantes com perfis distintos, envolvem riscos e equipamentos que podem variar completamente, e podem durar de poucos minutos até meses, além de terem dificuldades físicas e psicológicas completamente diferentes.
Para realmente entender o montanhismo é preciso praticá-lo. Só explicar em palavras o prazer de chegar ao cume de uma montanha ou ao topo de uma parede rochosa, depois de tanta dor, força e sacrifício é realmente difícil.
Quando eu digo que o montanhismo é um “esporte” diferente, digo “esporte” simplesmente pela falta de uma palavra que o defina. Muitas vezes nem acho que esporte seja realmente a melhor definição da atividade:
– Esporte tem regras. Montanhismo tem ética.
– Esporte tem quadra, pista, campo, raia. Montanhismo tem o mundo a ser descoberto.
– Esporte tem plateia. Montanhismo tem a natureza ao seu redor.
– Esporte tem adversário. No montanhismo seu maior adversário é você mesmo.
Montanhismo não se pratica, se vive. Você começa a viver o montanhismo ainda em casa ou no trabalho, programando a próxima viagem ou expedição. Em seguida você treina e planeja a estratégia por dias, semanas, as vezes por meses. E então você desfruta lugares remotos, conhece novas culturas, e por fim escala em lindas paisagens numa completa harmonia com a natureza ao seu redor, em busca de auto-superação e conhecimento do seu corpo e limite.
E como se tudo isso já não fosse o bastante, no montanhismo ainda temos a adrenalina! Para mim apenas um detalhe que nos faz dormir melhor no fim do dia, como se fosse um bônus. Mas como disse certa vez um grande amigo – Ao contrário de um salto de paraquedas, de uma descida de snowboard ou de um salto de bungee-jump, na escalada a adrenalina não é injetada de uma só vez, ela goteja pouco a pouco durante horas, nos mantendo atentos e alertas a qualquer risco, nos mantendo vivos na parede. Se existe um esporte o qual eu faria um paralelo com o montanhismo, talvez seja o surfe de ondas gigantes. Em ambos o praticante está em busca de novos desafios, em contato com uma natureza exuberante, tentando vencer o seu medo e o desafio do mar e montanhas. Basta respeitar a natureza e seus próprios limites para ser um vitorioso. Mas destrinchando então um pouco desta salada que é o Montanhismo, aqui vão algumas das principais modalidades, se é que podemos assim definí-las:
BOULDER – É a escalada de pequenos blocos de pedra, normalmente de não mais que 5 metros de altura, protegida apenas de um pequeno colchão chamado de CRASH PAD para amortecer suas quedas. Se praticado com um parceiro, este pode fazer a sua “segurança de corpo”, lhe auxiliando a cair corretamente neste colchão. Geralmente são escaladas curtas e bem extenuantes, com movimentos difíceis e precisos. É uma modalidade muito praticada por escaladores
mais jovens. Equipamentos usados – Um par de sapatilhas, carbonado de magnésio para secar as mãos, crash pad para segurança.
ESCALADA ESPORTIVA – São escaladas curtas, variam entre 15 a 50 metros, porém já se faz necessário o uso de equipamentos de proteção como cordas, cadeirinhas e mosquetões. Busca-se sempre a maior dificuldade na progressão, com paredes bastante inclinadas, negativos ou tetos. Geralmente são vias bem protegidas onde há possibilidade de pequenas quedas mas que não ponham em grande risco o praticante. A escalada esportiva também pode ser praticada INDOOR, ou seja, em academias onde as paredes e vias de escalada são construídas para representar as dificuldades encontradas na natureza. A escalada indoor é sem dúvida alguma a melhore mais segura opção de entrada no montanhismo.
ESCALADA CLÁSSICA ou TRADICIONAL – São escaladas mais longas, geralmente entre 100 e 400 metros, onde pode-se gastar de algumas horas até um dia inteiro. O grau de exposição ao risco já é maior e os escaladores devem ser bem mais experientes. O perfil do escalador clássico já é um pouco mais velho e o desafio deixa de ser apenas físico e passa a ser mais mental. A graduação de dificuldade deixa de ser o foco na escalada.
BIG WALL / ARTIFICIAL – A escalada em BIG WALL, como o próprio nome diz, é a de grandes paredes. Pode chegar a 800, 1500m de altura. Sua duração vai de pouco mais de um dia até 3 ou 4 facilmente. Envolve uma logística complexa de auto-suficiência na parede, como dormir e cozinhar. Geralmente no Big Wall usa-se também uma técnica chamada de ESCALADA ARTIFICIA L, ou seja, o escalador ao invés de usar as mãos e pés direto nas saliências e fendas da rocha para progressão, pode usar também ganchos e pequenas peças metálicas para se fixar e seguir na parede. A quantidade e variedade de equipamentos utilizados no BIG WALL é sem dúvida uma das maiores.
ESCALADA EM GELO – A escalada em gelo como o próprio nome diz não é feita mais diretamente sobre a rocha e sim sobre o gelo. Ela aproxima-se mais da escalada clássica quanto ao perfil do praticante e grau de exposição ao risco. É a escalada onde usa-se as tais picaretas e pregos nos sapatos, tantas vezes caracterizadas em desenhos e filmes. As picaretas são chamados de Piolets e os pregos nas botas de Crampons.
ALTA MONTANHA – Alta montanha são realmente as grandes expedições para picos nevados normalmente acima de 5000m de altitude, culminando no ponto máximo de 8848m do Mt.Everest. Na escalada de alta montanha o montanhista deve preferencialmente ter experiência em todas as modalidades anteriores, para saber lidar com trechos de rocha e gelo. Deve também ter grande domínio psicológico, além de resistência física e emocional. Na alta montanha estão os montanhistas mais velhos e experientes, onde a capacidade de lidar com situações adversas e a perseverança na busca de seus objetivos sobressaem à força muscular dos mais jovens.
Se você se interessou pela escalada, a melhor forma de começar com segurança é procurar uma academia. Além de receber instrução dos procedimentos básicos, você poderá locar todo seu equipamentos e terá acompanhamento de monitores especializados. Em São Paulo, a Casa de Pedra no bairro de Perdizes, é sem dúvida a melhor opção para que você dê seus primeiros passos com toda a segurança necessária: www.casadepedra.com.br/escalada
Be safe, be Cool… Alê Silva.
Alexandre Silva, 38 anos, é montanhista e proprietário da Casa de Pedra. Iniciou suas atividades de montanha em agosto de 1993 enquanto cursava Arquitetura e Urbanismo na FAUUSP. Foi campeão paulista de escalada em 1996 e brasileiro, na modalidade velocidade, em 1997. Já escalou em países como França, Espanha, Itália, Bolívia, Peru, Chile, Argentina, Nepal, EUA e Canadá, e abriu novas vias de escalada em rocha, principalmente no estado de São Paulo. Atualmente dá cursos, workshops e escreve matérias e colunas para mídias do segmento outdoor. alesilva@casadepedra.com.br
Era essa a definição de montanhismo que estava procurando. Obrigado
Em meio a tantos entendidos prepotentes, uma luz no fim do túneo com esse texto do Alex.